“O Livro dos Espíritos”, um livro de 165 anos
Neste mês de abril de 2022, estamos a comemorar os 165 anos do lançamento, em Paris, de “O Livro dos Espíritos”, de Allan Kardec, inaugurando no mundo a Era Espírita ou Era do Espírito. Nele se cumpria a promessa evangélica do Consolador, do Paracleto ou Espírito da Verdade. Sua primeira edição data de 18 de abril de 1857.
Segundo o Professor J. Herculano Pires, equivale a afirmar que “O Livro dos Espíritos” é o código de uma nova fase da evolução humana. E é exatamente essa a sua posição na história do pensamento. Este não é um livro comum, que se pode ler de um dia para o outro e depois esquecer num canto da estante. Nosso dever é estudá-lo e meditá-lo, lendo-o e relendo-o constantemente. Sobre este livro se ergue todo um edifício: o da Doutrina Espírita. Ele é a pedra fundamental do Espiritismo, o seu marco inicial. O Espiritismo surgiu com ele e com ele se propagou. Com ele se impôs e consolidou no mundo. Antes deste livro não havia Espiritismo, e nem mesmo esta palavra existia. Falava-se em Espiritualismo e Neo-espiritualismo, de maneira geral, vaga e nebulosa. Os fatos Espíritas, que sempre existiram, eram interpretados das mais diversas maneiras. Mas, depois que Kardec o lançou à publicidade, contendo os princípios da Doutrina Espírita, uma nova luz brilhou nos horizontes mentais do mundo.
Há uma sequência histórica que não podemos esquecer, ao tomarmos este livro nas mãos. Quando o mundo se preparava para sair do caos das civilizações primitivas, apareceu Moisés, como condutor de um povo destinado a traçar as linhas de um novo mundo. Ele não escreveu a Bíblia, mas foi ele o motivo central dessa primeira codificação do novo ciclo de revelações: o cristão. Mais tarde, quando a influência bíblica já havia modelado um povo, e quando esse povo já se dispersava por todo o mundo gentio, espalhando a nova lei, aparece Jesus; e das suas palavras, recolhidas pelos discípulos, surgiu o Evangelho.
A Bíblia é a codificação da Primeira Revelação Cristã, o código hebraico em que se fundiram os princípios sagrados e as grandes lendas religiosas dos povos antigos – a grande síntese dos esforços da antiguidade em direção ao espírito. Não é de se admirar que se apresente, muitas vezes, assustadora e contraditória para o homem moderno.
O Evangelho é a codificação da Segunda Revelação Cristã, a que brilha no centro da tríade dessas revelações, tendo na figura do Cristo o sol que ilumina as duas outras, que lança a sua luz sobre o passado e o futuro, estabelecendo entre ambos a conexão necessária.
Mas, assim como na Bíblia, já se anunciava o Evangelho, também aparecia a predição de um novo código, o do Espírito da Verdade, como se vê em João, XIV. E o novo código surgiu pelas mãos de Allan Kardec, sob a orientação do Espírito da Verdade, no momento exato em que o mundo se preparava para entrar numa fase superior de desenvolvimento.
Hegel, em suas lições de estética, mostra-nos as criações monstruosas da arte oriental, figuras gigantescas, de duas cabeças e muitos braços e pernas, e outras formas diversas, como a primeira tentativa do Belo para dominar a matéria e conseguir exprimir-se através dela. A matéria grosseira resiste à força do ideal, desfigurando-o nas suas interpretações. Mas, acaba sendo dominada, e, então, aparecem no mundo as formas equilibradas e harmoniosas da arte clássica. Atingido, porém, o máximo de equilíbrio possível, o Belo mesmo rompe esse equilíbrio, nas formas românticas modernas da arte, procurando superar o seu instrumento material, para melhor e mais livremente se exprimir. Essa grandiosa teoria hegeliana é perfeitamente aplicável ao processo das revelações cristãs: das formas incongruentes e aterradoras da Bíblia, passamos ao equilíbrio clássico do Evangelho, e deste à libertação espiritual de “O Livro dos Espíritos”.
Cada fase da evolução humana se encerra com uma síntese conceptual de todas as suas realizações. A Bíblia é a síntese da antiguidade, como o Evangelho é a síntese do mundo greco-romano-judaico, e O Livro dos Espíritos a do mundo moderno. Mas cada síntese não traz em si tão somente os resultados da evolução realizada, porque encerra também os germens do futuro. E na síntese evangélica temos de considerar, sobretudo, a presença do Messias, como uma intervenção direta do Alto para a reorientação do pensamento terreno. É graças a essa intervenção que os princípios evangélicos passam diretamente, sem necessidade de readaptações ou modificações, em sua pureza primitiva, para as páginas deste livro, como as vigas mestras da edificação da Nova Era.
O Livro dos Espíritos não é, porém, apenas a pedra fundamental ou o marco inicial da nova codificação. Porque é o seu próprio delineamento, o seu núcleo central e ao mesmo tempo o arcabouço geral da Doutrina. Examinando-o, em relação às demais obras de Kardec, que completam a codificação, verificamos que todas essas obras partem do seu conteúdo.
O Livro dos Espíritos contém, como declarou Allan Kardec, "Os princípios da Doutrina Espírita", sendo, portanto, o seu tratado filosófico. Mesmo que não tenha sido elaborado em linguagem técnica e não observe os rigores da minuciosa exposição filosófica, é todo um complexo e amplo sistema de filosofia que nele se expõe.
A natureza religiosa do Livro dos Espíritos ressalta desde as suas primeiras páginas. Kardec o inicia pela definição de Deus. Mas, o Deus Espírita não é antropomórfico. A definição Espírita é incisiva: “Deus é a inteligência suprema, causa primária de todas as coisas”.
Enganam-se aqueles que confundem a Inteligência Infinita com o homem finito, e a Religião Espírita com os formalismos religiosos.
Kardec emprega a linguagem que podemos empregar para tratar de Deus. Não O humaniza. Apenas O coloca ao alcance da compreensão humana. Kardec pergunta aos Espíritos Superiores se existem dois elementos gerais, o Espírito e a matéria, e os Espíritos respondem:
“Sim e acima de tudo Deus, o Criador, o Pai de todas as coisas. Deus, Espírito e matéria constituem o princípio de tudo o que existe, a trindade Universal.”
Tudo avança para Deus, do átomo ao arcanjo.